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Morte e vida de Ernesto, o violinista - por Ricardo Nogueira


Ernesto tinha acabado de ser traído. Sua mulher o havia trocado por outro, um advogado, homem mais rico e forte. Em poucas semanas ele declinou terrivelmente. Já não mais trabalhava direito, nem falava nada com paixão, não tinha pelo quê viver. Pensando assim, planejou a própria morte. Ficou em dúvida sobre como fazer. Poucas coisas naquele momento valiam o esforço da elaboração para Ernesto. Um músico, fadado ao melancólico e trágico destino de violinista. Viver para morrer de desgosto. Não achava graças e nem queria, encontrava no mundo o sério, e somente isso. Poxa, Ernesto, tens certeza de que nada vale a pena? Tirar a própria vida? Sem mais festas e mulheres! Nenhuma possibilidade de rir! Nada! Ernesto já não via no verbo música, nem na música verbo. E é nesta narrativa totalmente maçante que se encontra. Assim, sem sal ou doce. Vamos continuar a narrá-lo, para ver no que vai dar esta miserável ideia genial de suicídio. Vai Ernesto, escolha a corda no pescoço, mede a altura em que ficará pendurado, posiciona milimetricamente o banco que chutará. Ele olha ao redor. Tudo o que foi construído profissionalmente, todos os ganhos. Sua casa, seu carro, seus amigos e família, nada daquilo era tão importante quanto a dor e o vazio causados por uma única pessoa. Naquele momento não saberia definir se havia em si amor próprio ou a ausência dele para cometer este ato. O mundo era vasto, ele tão pequeno. Continuemos a narrá-lo, mesmo que no derradeiro momento, ele merece mais que o descaso. Ernesto merece mais que ser ignorado por escritores, narradores e leitores. Vamos para a decisão final. Ernesto com a corda no pescoço, em cima do banco, olhando para a janela da sala de estar o que há lá fora. Vê uma criança brincado com a bola, vê um cachorro correndo atrás do próprio rabo, vê um carro passando, uma velha passando, o passado. No fundo da cena, Ernesto escuta um som, uma música. Seu vizinho havia colocado Bach para tocar. Especificamente um Adágio para piano. Sentia ali a dor do autor. Ali enxergava o mesmo que o compositor alemão morto há séculos. Enxergava também o prazer. Prazer de sentir seja lá o que isso signifique. Enxergava o que ouvia, não vendo mais o garoto ou o cachorro. Ali, naquele exato momento, valia tudo! O amor não correspondido ou traído, já não importava. A alegria de ter sentido a dor só pelo fato de ter um corpo para sentir já era suficiente. Graças a Bach. Graças ao vizinho. Então Ernesto saiu da armadilha preparada por ele mesmo, sentou-se no sofá e ficou a pensar. A partir daqui a história acaba, tendo Ernesto uma gama de possibilidades, uma série de chances para o seu destino.

Ricardo Nogueira é estudante de Letras/Literatura na FFP-UERJ.



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