Resumo & Resenha de O Povo Brasileiro, de Darcy Ribeiro
Via medium por @simaovski
O Povo Brasileiro, de Darcy Ribeiro, é uma das principais obras da nossa literatura para entender a formação do nosso povo.
O livro é extremamente bem escrito, e revisitando momentos históricos o autor nos brinda com uma das maiores obras antropológicas do Brasil.
Como o povo brasileiro foi formado?
Pode ser que muitos, assim como eu, antes de ler o livro de Darcy Ribeiro, desconhecessem o processo de formação do povo brasileiro, os problemas, acontecimentos e eventos que marcaram o sentido do Brasil.
Antes do descobrimento (ou invasão) Europeia ao continente Americano, todo o Brasil (e o resto do continente) era habitado por formações indígenas. Estes, por sua vez, possuíam seus próprios costumes e ritmo de vida.
Era comum, por exemplo, viverem da caça e da pesca, em sociedades consideradas primitivas sem o uso avançado de tecnologia. Além, claro, de guerras de território e invasão contra outros povos indígenas.
Tudo isso em uma escala reduzida, se comparada a sociedade atual. Em suma, eram povoamentos que viviam com o que a terra fornecia, isolados em uma imensa área de terra.
Mas, isso mudou com a chegada dos navios portugueses. Esse, talvez, é o primeiro fenômeno da formação do povo brasileiro a ser analisado.
O contato inicial não foi nada amistoso, resultado em diversas guerras, mortes e um processo de escravização e de opressão que povo explorador (que possuía tecnologia de guerra muito mais avançada) imprimiu aos habitantes originais da nossa terra.
Isso é tão intenso, que fica o questionamento, se o Brasil foi descoberto, achado ou invadido. Assim, nosso povo germinal, começava a sofrer não só com os conflitos, mas com a perda da identidade, a começar pela religião.
A Religião
Os índios possuíam sua própria crença e seus ritos. Até hoje os povoamentos indígenas guardam suas tradições.
No entanto, a fé dos índios era o extremo oposto da fé professada pelo povo português, quase que totalmente Católica. Que naquele período, cabe lembrar, passava pela inquisição.
Em resumo, a inquisição pretendia achar todo e qualquer herege que não professasse a fé Católica, sendo sumariamente submetido a penas e castigos severos. O que, muitas vezes, levava a morte do condenado.
Num Brasil recém “descoberto”, logo surgiu um dilema: as almas dos indígenas alcançariam a salvação? Se sim, como promover isso? Caso contrário, a quem caberia julgá-los?
Por isso, para entender como a religião influenciou na formação do povo brasileiro é essencial revisitar um aspecto muito esquecido e não conhecido por nós, a Inquisição no Brasil.
A Inquisição no Brasil
Antes de mais nada, cabe destacar, aqui ainda não era o Brasil propriamente dito. O Brasil que conhecemos hoje, com uma identidade e uma formação de fronteiras. Precisamos nos localizar no tempo e no espaço.
Os exploradores portugueses haviam descoberto um imenso pedaço de chão, que eram habitados por índios nativos, que falavam outro idioma, vestiam outras vestes, tinham rituais desconhecidos, combatiam nas matas e, simplesmente, não tinham ideia do que havia além mar.
Uma das maiores âncoras para capturar, politicamente falando, o novo território seria condicionar aquele povo a uma só fé, sendo que assim o rei de Portugal teria um apoio amplo do que era o maior poder político, econômico e social daquela época, a Igreja Católica.
Por isso mesmo, o Papa expediu uma bula que permitia que os exploradores Católicos aplicassem as regras da Inquisição no novo território descoberto.
Não é evidente, como esse processo se deu, considerando que o novo território não tinha, por exemplo, infraestrutura que qualquer país europeu possuía para aplicar as sanções.
Pelas pesquisas, pressume-se que a religião foi atribuída aos índios sobrescrevendo a sua crença. Aos nativos que aceitavam e professavam a fé Católica, os padres lhe davam a certeza de que a alma deles seria liberta e salva. Aos revoltosos, no entanto, a história seria outra.
Não é difícil imaginar que muitos indígenas foram convertidos. Eles simplesmente viviam uma vida toda de um mesmo modo, e de repente, do nada, um barco surgia no horizonte, trazendo homens com vestes engraçadas e falando de uma nova salvação.
Com tecnologia, utensílios e ferramentas muitos diferentes, é simples imaginar que para muitos nativos, vislumbrar os exploradores seria algo como encontramos um disco voador, com alienígenas.
No entanto, este processo ao mesmo tempo que fortaleceu a formação de um país, já que possuía o apoio da Igreja Católica, enfraqueceu e muito a identidade germinal dos povos. Rituais foram abandonados, esquecidos, e provavelmente, jamais saberemos que existiram.
Converter índios para uma mesma fé Católica trazia outro benefício aos exploradores: a possibilidade de casamentos oficiais.
Neste sentido, abrimos um novo capítulo da história da formação do povo brasileiro, as primeiras crianças que de pais portugueses mães indígenas.
Casamentos
Provavelmente, os casamentos primitivos realizados no então descoberto Brasil eram muito diferentes das uniões que costumamos ver.
Em primeiro lugar, é difícil encontrar e precisar qual foi o primeiro casamento ou união celebrada no Brasil entre o povo original (índios) e os exploradores (europeus).
Em segundo lugar, é ainda mais difícil saber quem foi o primeiro ou primeira brasileira que nasceu fruto de uma união intercontinental.
Mas, as uniões não oficiais, muitas vezes por relações forçadas devem ter gerado a primeira onda de contato entre os dois povos.
Essas uniões eram vistas como benéficas, em teoria, por alguns.
Aos exploradores a oportunidade de uma vida desregrada, longe das condições sociais que a Europa pregava.
Aos indígenas, com o avanço do tempo, ter na família um estrangeiro poderia aumentar o status de proteção contra outras ameaças, sejam outros exploradores ou ataques de outras tribos.
Mas, como geralmente ocorre em qualquer relação assimétrica, o povo indígena, menos tecnológico e com menor capacidade de retaliação, novamente sofreu as maiores concessões.
Quase sempre, uma índia era dada em casamento, e com isso toda a sua geração de parentes (pais, irmãos, tios) eram considerando serviçais do estrangeiro. Era comum, tais homens casarem diversas vezes, montando uma ampla rede de trabalhadores, soldados e pessoas de confiança para vigiar e cuidar de suas posses.
Nesse sentido, é apresentado a origem do povo mesclado e moreno do Brasil.
Uma prática denominada Cunhadismo garantia aos estrangeiros uma ampla rede de apoio condicionando os índios em uma vida de penúria, mas agora sob a tutela de um estrangeiro.
No meio dessa bagunça toda, nascem crianças. Diferente dos índios e dos portugueses que habitavam as terras, essa nova geração tinha como pais um referencial diferente de tudo até então.
Não se assemelhavam aos europeus que tomaram as terras nem aos índios originais daqui. Faltavam identidade social, cultural e referencial.
Tinham feições que não eram as mesmas quando se comparava, por exemplos, os filhos de 2 indígenas ou 2 europeus, carregando traços do que viria a ser os nossos ancestrais do brasil moderno.
Rapidamente o novo povo, brasilindio, começava a se dispersar. Sem sólidas raízes, com pais que não reconheciam e costumes que não se interessavam, os ancestrais do futuro povo brasileiro começava a explorar as densas matas brasileiras.
Iniciando um processo de colonização interior. Ao mesmo tempo, um novo elemento surge na nossa formação, os escravos trazidos da África.
O escravo na formação do povo brasileiro
Ao mesmo tempo que brasileiros se multiplicavam, casando ou gerando filhos, navios negreiros aportavam na costa brasileira, trazendo como carga mão de obra escrava.
Os escravos rapidamente eram absorvidos na nova sociedade. Com trabalhos pesados, sob castigos severos, e um triste apagamento da sua história e esquecimento das suas raízes.
As escravas consideradas mais bonitas, muitas vezes, podiam acender a um trabalho na casa grande, servindo seus senhores ou cuidado das suas crianças.
Isso tinha um preço, no entanto, já que muitas delas eram submetidas a torturas por parte de suas donas, como arrancar seus dentes, na tentativa de reduzir sua beleza.
Aos escravos cabia o trabalho bruto, diário, sem descanso e sem remuneração.
Além claro da humilhação.
Muitos relacionamentos não oficiais brotavam, sejam eles consentidos ou não.
Uma nova geração era gerada, fruto de relações em uma população que era parte europeia, parte indígena, parte africana, e até mesmo, parte brasileira.
Isso tudo, adiciona ainda mais elementos a formação e construção do nosso povo. Línguas nasciam ou morriam. Costumes eram passados ou esquecidos.
Celebrações ganhavam novos rituais. E o Brasil, indiretamente, começava a ser forjado.
De um lado, pela miscigenação. Por outro lado, através do trabalho forçado, do apagamento de histórias, da tortura, da morte, da submissão e tantos outros crimes cometidos contra povos indígenas e africanos.
Nesse momento da história, as cidades brasileiras começam a surgir. Algumas desbravando o imenso interior nacional. Outras, a beira do mar.
A formação das cidades
Algumas cidades eram bem estabelecidas e forneceram as bases para o desbravamento interior.
Tudo isso, na maioria das vezes, tendo que lidar com longas distâncias e o encontro de povos indígenas ainda intocados.
As principais edificações, em sua maioria, contavam com Igrejas, conventos e fortalezas. Uma população quase sempre rural, que se reunia em dias de festas no centro econômico e nervoso da cidade.
De resto, provavelmente a rotina desses cidadãos consistia em alta carga de trabalho, baixo descanso e uma rotina de lida com a terra.
As cidades eram fruto, na maioria das vezes, de bolhas econômicas formadas por fazendeiros ou comerciantes ricos que tinham direito a um grande pedaço de chão e empregavam uma grande mão de obra de trabalho duro e constante.
Com o crescimento populacional, aglomerados de habitações vão surgindo, de modo a exercer sua função social.
Em alguns casos, pousadas para viajantes. Em outros, portos para o escoamento de carga. Ou ainda, pontos críticos que envolvia o comércio.
Em resumo, todas as cidades giravam em torno de uma economia extrativista. Extraindo da terra seu ganha pão.
Ao mesmo tempo, serviam como um modelo agrário-mercantil, gerando ordenação social e incorporando-se no centro de tradições religiosas e civis de uma Europa pré-industrial.
Nesse momento da história, grandes cidades brotam e crescem. Como São Paulo, Recife, Salvador e Rio de Janeiro.
Mais ao interior vão surgindo novas rotas e cidadelas. Algumas, impulsionadas por rotas comerciais, como a dos tropeiros que percorriam os estados do Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná e São Paulo.
O processo sociocultural
A formação do Brasil, além do impacto de diferentes povos e objetivos também exerceu um grande apoio sociocultural.
É provável que nos 100 primeiros anos da nossa história nacional, o país tenha reduzido sua população original ao invés de aumentá-la.
Isso se deve, em grande parte, pela matança provocada por exploradores que buscavam a todo custo extrair as riquezas da terra ao mesmo tempo que esterilizava a vida de milhares de indígenas.
Estima-se que quase 1.000.000 de índios tenham sido mortos por europeus em confrontos espelhados pelo imenso território nacional.
Como o número de mortes era maior que o de nascimento e até o mesmo de chegadas, o Brasil viveu um processo errático: esterilizando seu povo germinal e absorvendo novas culturas.
Considerações finais
Falar de Brasil nunca é simples. Ainda mais quando precisamos falar das nossas raízes, já que o povo brasileiro possui muita facilidade em esquecer.
A obra de Darcy Ribeiro é um imenso argumento acerca da nossa brasilidade, mostrando ricamente como o povo e a sociedade brasileira foram forjadas.
Usando dados e autores reconhecidos o autor nos brinda com um texto envolvente, denso e extremamente bem organizado com datas, fatos e acontecimentos.
De fato, ler O Povo Brasileiro é um exercício que todo brasileiro deveria fazer, se possível. Recordar e reconhecer como nossa história foi escrita mostra ao mesmo tempo o quanto devemos aos povos originais desta terra, os indígenas, e também aos povos que foram trazidos para cá contra a sua vontade, sobretudo africanos escravizados.
Por mais que não possamos pagar a dívida histórica com esta parcela da população, devemos reconhecer seu esforço e processo essencial na formação do Brasil e no sentido de ser Brasileiro.
Darcy Ribeiro abre sua obra fazendo uma pergunta elementar: Por que o Brasil não deu certo? Lendo o seu texto, entendemos alguns motivos.
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Neste texto, abordei uma visão geral dos principais pontos que Darcy Ribeiro mostrou em “O Povo Brasileiro”.
Resumir toda a obra do genial escrito é, no entanto, uma tarefa elementar. Sua obra merece ser lida em completude. Por isso, caso tenha chegado até aqui, a Amazon fornece uma prévia com as 44 páginas da obra de graça, basta acessar o seguinte endereço: https://amzn.to/3qEHSNv